Anoitece e Frida vem reclamar meu ser. Me invade sem respeito nem cuidado e me revira por dentro. São estes os dias que me empresto a ela.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quartas-feiras



"Aqui de longe sinto a falta que me faz
Abraço um travesseiro, ele não fala muito
Mas diferente dos mármores que me rodeiam
É pequenino e aconchegante." G.M.R.C.

-E qual seria tua idéia de paraíso?
-Um quarto escuro, cheirando a caros charutos cubanos, o melhor piano existente, bons livros. Estou me masturbando nesse quarto.
Sábias palavras a se dizer naturalmente no primeiro encontro. Depois de algum tempo, ele me confessou que toda aquela interessante sinceridade provinha do êxtase alcóolico. De qualquer forma, o charuto havia me impressionado. Perguntei-me se algum dia chegaria a fazer parte do seu paraíso. Eu nunca quisera pertencer a um, mas de repente a idéia me pareceu por demais saborosa. Então achei graça ao pensar que poderia algum dia participar do sonho de alguém. Ainda mais sendo este tão divinamente pecaminoso. Como eu sonhava com o pecado. Tão atraente, tão belo. Eu talvez tivesse talento, bastaria me livrar do fardo da castidade. Apenas. E senti uma inferioridade tão absurda perante àquele homem que resolvi esquecer essas tolices. Eu era só um ser desconhecedor da própria sexualidade. Patético. Mas, um dia, ele me beijou.
Nessa solidão de tarde de quarta-feira, minhas reminicências parecem longínquas. Eu sinto sua falta. Todo o meu corpo a sente. É estranho, mas ultimamente não tenho tido dificuldades ao mencionar sobre meus desejos. No início era tão constrangedor. É mesmo encantador parir idéias exatamente como foram geradas. Tenho sido mais sincera neste ponto. Sinto falta de seu pau, assim como sinto das nossas conversas, dos lábios críticos e quentes que só ele sabe ter. Foi com esse homem que vivi meu primeiro "date", meu primeiro banho demorado, meu único filho. Nesse momento imagino cenas lascivas, tórridas, dias de ternura, seu nú tão artístico. Eu nunca me imaginei tão naturalmente segura e nua na presença de um ser humano, nem eu mesma. Eu nunca milhões de detalhes, antes dele.
Parece-me até que cada vez que se despede arranca meu útero para levar consigo. Nesse exato instante sou velha, seca, infértil. Enquanto a chuva despenca no chão do meu quarto e provalvelmente nos buracos do teu, espero que esse sangramento acabe para que eu possa ser mãe outra vez, meu bem.

domingo, 4 de abril de 2010

Monólogo




'Você, precisa saber de mim.
Beby, eu sei que é assim.
Você precisa tomar um sorvete na lanchonete,
Andar com a gente, me ver de perto.
Ouvir aquela canção do Roberto.
Você, precisa aprender inglês,
Precisa aprender o que eu sei e o que eu não sei mais.
Baby, leia na minha camisa: I love you.'

Nós não combinamos com a dor, pensou. Andava cantarolando a música feita pra ela. Às vezes a dor era tão funda, em cada lembrança, em cada dia morto. Músicas mortas tocando na rádio. Sempre me pegam de surpresa, as músicas. Nossas. Não, músicas tuas, feitas por você que nem se lembra mais. Nunca mais se lembrou do porquê das suas próprias canções. Será que se lembra? A cada vez que canta, ensaia nos sábados de sol, será que se lembra? Acho que não. Era hora de viver outra vez, tentar ir lembrando aos pouquinhos, chorar dia sim, dia não. Tinha passado muito tempo sem sentir o gosto do mar. E não há cura sem mar.

'Já é semana que vem', disse alto e notou que olhavam pra ela no asfalto. Semana que vem a dor vem mais forte. Semana que vem já é tempo de enfrentar a dor. Perceber que nem tudo está morto. Ver a vida brilhando nos olhos dele. Ela vai chegar em casa e tentar se olhar no espelho. O olhar cheio de vida vai contrapor a morbidez do olhar dela. ‘Eu sei que é assim. Sempre foi’. Vai olhá-la e se sentir culpado. E novamente vai ter sua felicidade atrapalhada. Vai sentir pena, a mesma piedade que ela sente sobre si mesma. Ele vai tentar desesperadamente parecer normal, perguntar banalidades. Disfarçar, ressaltar que não existe estranheza sem sentido.

Ela ainda pensava no que responder. Tinha de decorar alguma coisa. Ele teria mil coisas pra contar, novidades surpreendentes, pessoas maravilhosas e interessantes. Mas não contaria, não era cruel. Também nem havia mais intimidade pra dizer a verdade. Ela ainda pensava no que responder. Diria: ‘Tenho tomado antidepressivos, ido à terapia, estudado bastante pra fingir que sou bem ocupada’. Ela não diria isso. Patético demais, dependente demais. Não havia mais intimidade para verdades. ‘Bom, às vezes eu vou ao cemitério, me sinto bem no meio de túmulos velhos. Tenho ido a velórios também. Sempre morre alguém, meio chato. Nunca mais falei de você pra ninguém. Pareço até feliz, olhe só, percebe? Só aquelas velhas crises mesmo. Eu ainda escrevo, muito. Vou à escola, as mesmas pessoas, a mesma rotina, mesma vida. Vida é assim mesmo não é? Minha terapeuta disse que não existe alguém que sorri o tempo todo. Ela não lhe conhece. Ainda canto, grito, durmo mal. Eu não mudei muito, mas mesmo que um dia eu mude, sempre pode aparecer de vez em quando. Meu remédios perderam o efeito, vou ter de trocar. Irônico. Parece que você adivinhou quando escreveu aquele verso, se lembra? Parece que adivinha tudo. Nossa como eu sou irritante, desagradável. Desculpe.’ Olhos baixos. Pena, culpa e dor. ‘Bem, sempre torço muito por você, sabe disso. Até mais então. Parabéns, de verdade. Um dia liga pra gente soltar pipa. Ah, feliz páscoa atrasada’... Meu bem.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sou eu



Eu sou a pessoa que borra as unhas de esmalte vermelho, as mãos e os pés, mas nunca limpa os excessos.

Sou alguém que compra lutas políticas, e que realmente se dedica a elas como se pudessem fazer alguma diferença.

Talvez com um pouco de dificuldade pra dormir e a paixão declarada em andar de madrugada com uma caneca de café na mão.

Sou um alguém que cansa facilmente as pessoas.

E que se revolta com defuntos históricos ou personagens de seriados nacionais.

Tenho mania de interpretar outras vidas em frente ao espelho e conversar sozinha para disfarçar a solidão.

Monto diálogos românticos em inglês enquanto ando pelas ruas. Isso faz com que os caminhos pareçam mais curtos.

Sou a única pessoa que conheço que imita coelhos com a boca quando está nervosa.

A única que tem como peça preferida do guarda-roupa, uma calça de pijamas usada cheia de bolinhas azuis. E às vezes quando meu orgulho ultrapassa os limites, eu gosto de passear pelo bairro vestida assim.

Sou alguém muito apegada ao passado, tenho uma notável resistência pra reconhecer que sou desse século mesmo, e às vezes sonho que moro num antiquário.

Sinto vontades repentinas de dançar sem regras, então eu danço pela casa de uma maneira que parece demonstrar o que escondo por dentro.

Aprecio músicas clássicas e fantasio que toco piano divinamente enquanto vou dedilhando o alfabeto do meu teclado.

Sou aquela que lê o tempo todo nos intervalos das aulas, mesmo quando o livro não é interessante.

As vezes acho que sou ninguém.

Isso é tudo que eu sei de mim.
Essa é minha forma de ser especial.

Frida

sábado, 16 de janeiro de 2010

Beatriz



'...Me leve para sempre Beatriz,
Me ensina a não andar com os pés no chão...'


Um dia conheci uma garota. Quando eu já não tinha ninguém, e não tinha presentes, nem alegrias, nem sabia quem era eu. Conheci meio que por conhecer, numa noite que lembro sem mesmo fechar os meus olhos. Num tempo em que nada parecia muito interessante, ela apareceu.

Aconteceu no meio de muita gente, e como um raio de luz no escuro, ela puxou toda a precária atenção que eu tinha reunido dentro de mim (sempre fui um pouco distraída). Num segundo, ela desapareceu com tudo que eu tinha a minha volta e fez do meu corpo uma estátua comum, de cera branca, daquelas que não tem graça nem cor. Eu até podia ver na íris dela, bem de longe, o mundo novo que me esperava: as certezas reconstruídas, os momentos fascinantes, o que eu ainda ia aprender. Vi o mundo sem mesmo conhecê-la, eu que ainda não podia ver, encontrei no escuro a menina dos olhos dela. E nesse instante percebi que não podia perdê-la, não suportaria ter um mundo por segundos e deixá-lo partir sem me tocar de algum jeito.

Ela parecia sempre distante, e por mais que os dias passavam e quanto mais me aproximava dela, maior ela se tornava. Explicou-me sobre música, me deu aulas de inglês, me ensinou a rir de coisas simples e chorar por elas também. Entendia meus oceanos sem motivo e um dia me contou que também chorava sem razão. Éramos o desespero, uma da outra, o consolo encontrado em não saber o que dizer, só entender o que sentir. E os planos que fazíamos, o quanto nós cantávamos, os nossos amores juvenis. Tantas foram as vezes que dividimos cores, e nos demos conselhos que não seriam seguidos, dividimos tristezas também, e felicidade.

A Beatriz me contava sobre seu dia corrido, sobre uma infância sem dança, sobre desenhos nas paredes e amigos distantes. Ouvia minhas histórias, minhas revoltas, me abraçava em tempos escuros, tirava fotografias. Éramos admiradoras de quase as mesmas pessoas, amor. Existiam muitos problemas também, escolhas a serem feitas, perdas dolorosas, mas eu sempre me orgulhei da coragem que ela tinha de enfrentar o que viesse. Não era uma coragem armada, daquelas que a pessoa finge que não sente. Ela sentia, e mostrava, e era tão maior por isso. Eu sempre apoiei também, como ela me apoiou em tantos momentos. Em muitos dias, tropeçamos, com freqüência eu lutava por laços que não era válido lutar. Ela também me ensinou muito sobre a luta. Ensinou como se recupera um orgulho perdido e me ajudou a ter o meu de volta.

Vários filmes ela me indicou e vários assistimos juntas. Em todos os encontros, estivemos presentes, se não juntas, nos juntávamos à saudade. Ah, como eu senti saudades. Como as semanas foram longas, e vazias sem que eu pudesse me preencher com o sorriso dela. Havia tardes de livros e achocolatados, risos, perguntas e respostas. Beatriz tinha um jeito próprio de falar, algo que reforçava alguns sons principais, talvez a língua meio presa, não totalmente, não consigo explicar. Tinha um trejeito com a mão em que dobrava os pulsos, um charme que ela dela e que eu nunca a contei que tinha. Era sempre muito preocupada com algo e tinha milhões de pequeninas nuances importantes, era detalhista. Um pouco de ciúme talvez, medo de perder o que nos tínhamos, como se fosse possível perder. Era inundada de nostalgia, assim como eu, e assim eu sempre tinha alguém com quem temer a distância do futuro. Eu me sentia um pouco criança perto dela, não infantil, é que ela me trazia algo que eu devo ter perdido quando menina, ou que talvez nunca cheguei a conhecer.

Se eu tivesse que escrever um livro sobre uma mulher, era sobre ela que eu escreveria: a mulher que eu a via se transformar. Em nenhum momento perdi o interesse sobre uma mente tão rica de percepções e sentimentos. E a transparência que eu via dentro dos olhos dela, e do sorriso e das palavras, era a mesma transparência que eu conhecia quando me olhava no espelho. Ela não sabia fingir, e juntas não mentíamos pro mundo sedento de julgamentos.

Certo dia Beatriz veio me perguntar receosa se um dia nos esqueceríamos uma da outra. Esse talvez seja o motivo dessas letras. Quero provar a minha amiga que mesmo depois de todos esses anos, eu nunca a esqueci. Nunca pude apagar os momentos mais lindos da minha juventude, em quase todos, eu a vejo sorrindo. Talvez eu até tenha desejado adormecer o amor pra que doesse menos lembrar, para que a nostalgia não me deixasse cada vez mais velha. Naquele dia ela perguntou e eu senti um tanto de medo no fundo da gente. Então me lembrei de uma verdade que espero que ela tenha descoberto em todo esse tempo. Minha amiga, assim como eu, morava num planeta distante de número B612. E quem morou comigo algum dia nesse planeta, não consegue ir embora jamais.

- Oi, qual é o tom desse vermelho?
- É magma.
- Nossa, é lindo.

Frida

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Jornal




'...Mamãe quando eu crescer
eu quero ser rebelde,
Se conseguir licença
do meu broto e do patrão...'

Calço o All Star vermelho,
Bebo uma dose do mundo
No jornal.
Olho-me fundo no espelho,
Vejo só contradição.
Eu disfarço o egocentrismo,
Simulo um heroísmo,
Engano a solidão.
Levanto o muro de Berlim
Releio os manifestos:
Tenho dúvidas ou protestos?
Desejo um teorema que destrua esse dilema,
Algo de palpável fim.
Minto que eu temo
Pelo vício do futuro:
Ganância, fome, falta de esperança,
Palavras de cunho social.
São só lapsos de exagero
Frutos do meu destempero,
Tal e coisa, natural.
Sou um prédio de egoísmo,
Alicerce de fraqueza,
Fortaleza é a tinta
Que mascarei a construção.
Protejo-me com grossas cortinas
Panos vermelhos de sangue e de ferro?
Os fantasmas eu desenterro
Nunca peço perdão.
São cortinas os meus cabelos,
Brilhantes panos:
Vermelhos.
Apagando os olhos fracos,
Escondendo a escuridão.
Tranco as portas do altruísmo,
O caminho é o abismo.
Só o eu é que interessa,
Liberto a mente dispersa,
Cubro-me de atenção.
Sou alguém bem desprezível
Diluída em comunismo
Moléculas de pretensão
Caráter amoral.
Como o alvo que critico
E os poemas que publico
Nas longas páginas
De Jornal.

Frida

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O sol



‘... Desenho toda a calçada,
Acaba o giz, tem tijolo de construção.
Eu rabisco o sol que a chuva apagou... ’
Renato Russo

Se o sol não levantar,
Eu o rabisco no chão.
Minha calçada está vazia,
É ausente o meu dia,
Estação de ventanias,
Minha preferida canção.

Se eu um dia eu vi o sol,
Ele se foi quando choveu.
A tal calçada eu desenho,
A aquarela eu já não tenho,
Aqueles filmes eu resenho,
Relembro o sol que era meu.

Mesmo que o céu escureça,
E de mim esse sol se esqueça,
Eu rabisco outra vez.

Sinto o sol se apagando,
O mau tempo vem chegando,
O verão me refez.

O meu sol já vai embora,
E me pede pra deixar?
Se não vejo a aurora,
Já nem posso brincar lá fora,
Então volto a rabiscar.

O Renato me sorri.
A canção chega ao seu fim.
Ele diz que é sempre assim:
Eu desenhando, ele a cantar.

Frida.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Alternativa



"...Eu entendo a juventude transviada
Uma mulher não deve vacilar
Cada cara representa uma mentira
Nascimento, vida e morte, quem diria..."

Se o melhor conselho for o silêncio?
Se jogar não fizer nenhum sentido?
E se sorrir não for o melhor remédio?
Ou se meu tédio não passar?
Se eu não ouvir melodias leves?
Se eu não quiser palpites?
Se eu não gostar de opiniões?
Se eu for livre?
Ou for cruel comigo mesma?
E se eu for fraca?
Se eu tiver contratempos, uma pausa pra quaresma?
Cortar as fotos em tiras?
Não suportar viver de mentiras?
Ou aceitar alguns dias tristes?
Se eu não quiser mudar?
Ou preferir ficar sozinha?
Detestar as canecas da cozinha?
Se eu faltar à missa ou nem sequer acreditar?
Se não houver esforço pra esquecer?
Ou a razão pra me curar?
Se me desfaço em contradições?
Ou não tolero suas diversões?
Nem seu sorriso, nem tanta confiança?
E se eu agradar meu ego?
Se eu não quiser mais dançar?
Ou não mais souber o passo da dança?
E se um mês for muito pouco?
E cinco meses for tempo demais?
E se eu preferir ficar muda, ignorar os sinais?
Ou se gritar alto esse desejo?
Mudar os meus planos, começar um novo ano?
E se ainda não tiver idade?
Ou identidade?
Se eu me orgulhar do meu nome Verdade?
Ou se esse fosse meu único orgulho?
Se eu não visto minhas roupas usadas?
Se eu quero ser respeitada?
Eu quero.

Eu não preciso de terapeutas, nem de drogas de farmácia. Quero me sentir. Tenho direito a estação, a opção, a prestação. Eu não simulo boas fortunas, não aparento o que não sou. Se for isso o que chamam loucura, não me importo em me deitar com ela. Não vou agir por convivência nem me esforço pra ser mais um reles, normal.

Frida