Anoitece e Frida vem reclamar meu ser. Me invade sem respeito nem cuidado e me revira por dentro. São estes os dias que me empresto a ela.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Os mágicos sorriem


"...Vagalumes. Porque será que o vagalume pisca? Talvez ele não tenha o poder de piscar, mas à cada abraço que recebe, se cobre com o corpo que o envolve. Doando assim sua luz, então, há por segundos ausência da claridade. Quando vemos isso acontecer, ficamos com a impressão de que o 'ser minúsculo' está piscando, mas o inseto está apenas se lembrando dos abraços que recebe da Tangerine... "
Felipe Godoy

Era um estado novo. A menina não sabia antecipar as conseqüências daquele sentir complexo. As conseqüências que mais tarde poderiam se materializar nela. E nele. Ela só sentia. Não existia definição. É difícil separar o certo do errado num momento tão difuso. Errado é definir dias difusos.

Enquanto mais ela despistava os pensamentos e fazia de um esforço notável pra não ser egocêntrica, ela era. Então fugia das idéias que ameaçavam fazer dela mais feliz. Imbecilidades de meninas que se julgam mais sensíveis que as outras. O sentimentalismo lhe caía bem. A infelicidade lhe caía bem. Provava pra ela que tanto tempo não fora ilusão da sua mente idealizadora. Que seu interior podia ser sublime como ela pensara um dia. Como se fosse o tempo que demarcasse a grandeza da vida.

Mas do fato ela não podia mentir. Era ele que a fazia sorrir. Há tempos o seu sentimento perfeito e altruísta não lhe fazia tão bem. A verdade é que ela só desejava ser altruísta, mas sentia prazer mesmo no egocentrismo da alma. E mesmo agora tentava inutilmente agir com desprendimento da sua vaidade perdida. Mas o prazer a tocava quando o egocentrismo a tomava pra si. Ela fugia da natureza de ser egoísta. Mas sempre fora assim.

Agora ela sorria pra ele. A expressão provinha dele. E quando chorava era a emoção profunda que lhe causavam tantos versos dedicados. Músicas dedicadas a ela. E tudo mais que a tornava uma menina ruiva exclusivamente interessante. Delicadezas nunca experimentadas sem preocupação de estragar o que ela descrevia como perfeito e imutável. Uma fidelidade sem razão.

Passara aquele desespero de quem se afoga num abismo sem volta. De quem perde seus dias contados por ampulhetas de areia. Aquela tensa bomba relógio que justificava as imperfeições que ela preferia não crer. A novidade era uma vida leve, simplória, mas repleta de significâncias e cores.

Olhava-o com declarada admiração, atenta. Podia passar mil horas observando a forma encantadora e ao mesmo tempo hilária em que ele se comunicava com a vida. Comunicava-se até com a ausência de vida, com o inexistente ou invisível. Ou talvez algo que só ele pudesse ver. Um mundo que de tão dele nem precisava ser desvendado. Espaço criado para não ser compreendido, apenas pra fazer bem a todos. Pra arrancar alegres sorrisos de todos que sentiam sua presença. E isso era inexplicavelmente interessante. Inovador até. Místico.

Agora ele convidava a menina cor de sangue a conhecer esse novo sabor de fruta fresca. Estar por segundos que fosse naquele universo de símbolos. Esse convite tentador ainda continha a imensa liberdade que emanava de seu intimo sincero. Ele era livre e não queria prende-la pra si. Assim que entrasse, ela poderia sair da mesma forma simples e natural. Isso ela sabia de seus olhos. E mesmo que não devesse, ela ainda acreditava no que os olhos insistem em dizer sem ditadas palavra. Falar num mundo atual já se tornara clichê demais para o que ela desejava.

Frida sorria outra vez. E mais outra vez, e sempre. Sorriso sem mistério, intenção ou dor. Somente sorriso mesmo. Puro na sua mais simples definição. Uma luz que dava medo de tocar de tão forte e especial que era. Receio que ao tocá-lo, sua escuridão feminina apagasse a luz dele. Ela era escura em essência. Crescera acreditando que a resposta se dava através da complexidade. E resolveu que seria assim. Construiu-se complexa. Então hesitava nesse medo de abalar a fortaleza daquele ser de luz plena. Como vaga-lumes. Como as doces palavras que ele lhe dizia. Palavras raras, mas inesquecíveis, e que muitas vezes compunham as historias escritas por ela. O jeito inigualável que ele possuía de perguntar se tudo andava bem. Ele não a feria com perguntas necessárias como essa. Porque quando o mágico a olhava com ternura cobria suas feridas abertas com um balsamo de uma esperança inventada por ele. Esperança tão particular e utópica que ninguém conhecia, mas que ela acreditava. E se agarrava a ela como uma religião. Essa garota que não tinha religião. Sua crença estava ali. E parecia ser tão obvia.

A minúscula personagem vermelha que lutara toda a vida para confiar no que é vivo, encontrou sua prova. Ele era a certeza de sua certeza mais infantil. Frida acreditava em humanos através dele. Como um exemplo. Como mãos coloridas e mágicas.

Frida

domingo, 12 de abril de 2009

Conto de redençao


"...I'm wandering round and round, nowhere to go
While my eyes, go looking for flying saucers in the sky
But my eyes, go looking for flying saucers in the sky
Oh, Sunday, Monday, Autumn pass by me
I just happen to be here and it's ok
Green grass, blue eyes, gray sky,
God bless, silent, pain and happiness..."

Há algum tempo eu conheci um par de olhos azuis que insistiam em fixar o chão de tão tímidos que eram. Conheci-os meio que ao acaso, num lugar que eu não iria, uma ocasião não planejada, uma época que andava perdida de mim. Eram olhos celestes e amigos. Demorei certo tempo pra me aproximar deles, pois eram demasiadamente desconfiados. Realmente era difícil pra eu entender a distancia que eles se esforçavam em manter, eu que era tão dada a confianças repentinas. Mais tarde eles me ensinariam que a desconfiança imediata é necessária. Eu os encontrei pra ajudar a me encontrar. Isso eu percebi bem depois também. Depois que estas duas pedrinhas de anil se fizeram essenciais ao meu modo antigo de viver a solidão.
A dona destes olhos fez de um ano da minha pouca experiência, uma vida toda de sorrisos. Era pra casa dela que eu fugia toda vez que eu sentia uma ameaça de peso em minhas costas. Sempre fui meio ruim em carregar pesadas cargas. Ela ajudava a carregar. E tudo acontecia naquele lugar intenso pra mim. Melhores e piores foram os momentos que lá eu passei. Mas os piores momentos só por acontecerem lá, eu os sentia menos dolorosos do que meu normal de dualismo adolescente. Boas lembranças esta casa me traz. Festas amigas, risadas, madrugadas em claro e abraços em meus dias de choro. Lembro-me ate de me dar ao luxo de olhar as estrelas deitada na grama fofa, nadar e dançar sorrindo as músicas que não gostava. Eu podia chorar deitada no chão do quarto sem precisar me explicar, podia fingir que estava dormindo, sentir sono e gritar se me desse vontade. Pretendia até brincar de casamento na casa dela, inventar personagens, tirar fotos e rodar ate cair. Estar ao lado dela naquele lugar azul era assim.
A grama do quintal parecia fazer da vida mais leve, um lugar apropriado pra sorrir. Engraçado que não que eu esquecesse os problemas quando lá eu estava, mas tudo parecia menor quando eu olhava pra piscina cor da íris dela. Também não era porque eu ouvia que meus conflitos eram insignificantes. Isso nunca funcionou muito bem comigo e eu não ouvia frases assim desta menina. E ela também não entendia minhas dores com facilidade, mas elas importavam a ela como a mim própria. O motivo de tanta alegria eu não entendia bem. Como se a obrigação por estar ali, era simplesmente ser feliz. E mesmo que tudo parecesse um caos sem remédio, naquela casa eu não tinha vergonha de me divertir. Bem mágico para uma menina ruiva e reticente como eu. Uma casa que dizia não a minha solidão acostumada e zombava das minhas tristezas de jovem comum. Não havia como ficar sozinha, nem ser hipocritamente silenciosa ou alimentar melancolias como era do meu gênio fazer. Uma liberdade interessante em se permitir. Uma liberdade que me aprisionava todos os dias de folga em que eu me nutria bem de bacalhoada e felicidade.
Esta minha grande menina que corava as bochechas de tons de rosa facilmente, me deu milhões de provas de amor em troca de milhões dos meus abraços espontâneos. Era minha moeda de troca pra tudo que ela insistia em me fazer aceitar. Ela me dizia que não era boa em palavras e chorava quando lia as minhas histórias inacabadas. Boba. As palavras dela que me fazem escrever este conto agora. Ela que parecia tão simples, mas tinha uma imensidão de mar azul nos olhos expressivos que me inundavam em profundidade. Azul que contrastava com o sol dos seus cabelos assim como seu tamanho contrastava com sua pouca idade. Ela nunca entendeu o poder que tinha seus olhos. Era ela assim. Imensa no que se dizia comum. Acho que nem percebia isso. Talvez este seja o motivo pra este texto, que depois de tanto tempo eu possa fazê-la ver. Minha amiga que se achava covarde, mas não percebia o quanto de coragem ainda sobra nos seus gestos comedidos de timidez. Ela que desde sempre aprendera que canalizar decepção em raiva é uma boa forma de se proteger de tudo e possuía coragem suficiente para exteriorizar suas emoções. E me exigia reações. Eu devia ter dito a ela que eu não era tão corajosa assim. Devia ter dito neste dia que eu faltei a aula de alto defesa. Como se ela já não soubesse de tanto que me defendia. Agora eu até entendo a indignação dessa menina que lutava por mim, com a garra e a raiva que coexistiam nela, enquanto via alguém tão próximo aceitar a tristeza como algo natural. Batalhando pra me ver sorrir, pra provocar reações, eu bem sei que ela sofria também.
Certa vez, num dia que eu devia ter dito tanto e me calei, a menina me deu uma prova de amor que eu nunca esqueci. E eu a agradeci dizendo que ela havia apagado um ano da minha vida. Eu devo ter dito isso com muita força porque ela acreditou. Não sei como fiz isso. Bom, na hora sempre é difícil pra alguém como eu, perceber o que é bom pra mim mesmo. Eu sempre fui assim. E eu devia ter entendido a minha relutância em viver bem como o pior destino que um amigo queria pra o outro. Um verdadeiro amigo pelo menos. Um par de olhos azuis brilhantes. E foi este par que depois de me dar um ano de sorrisos e ser acusado de roubar um ano meu, que me olhou bem fundo pra procurar pela raiva que eu devo ter demonstrado. Naquela hora eu pensei que fosse bem claro pra ela que não havia raiva nenhuma, só dor. Medo de não conseguir. Como se em vez do bem que ela me fazia, só tivesse tirado o ultimo tripé em que eu me segurava. Minhas lembranças que nunca foram saudáveis. Meu jeito insano e doente de me comportar. Eu que nunca soube o que era melhor pra mim. E que ela sabia. Foi me olhando nos olhos que minha amiga me pediu desculpa. Pediu desculpa como se fosse ela que me fizesse mal e não a menina ruiva pra quem ela olhava fundo. Foi quando eu entendi que ela ainda esperava minha reação em fúria, eu que pensava que tivesse sido bem clara com relação a minha covardia em sentir. Porque não havia raiva e erroneamente ela imaginara que eu apenas a escondi. Acho que ela devia me pintar da coragem dela, não aceitava que eu não fosse corajosa o suficiente pra ter raiva. Ela me pedindo desculpa por invadir uma privacidade que não existia pra ela. Como exigir privacidade se você é fraco o suficiente pra se esconder sempre atrás da luta de alguém que te ama? Eu sempre a amei também. Desde quando a possuí em amizade. Eram palavras assim que eu devia ter dito a ela naquele dia. Pra que ela pudesse entender o quão bem ela me fazia e a quão necessária era ela. Entender que meu tripé não eram algumas frases ridículas que transbordavam um veneno letal pra minha felicidade constantemente ameaçada por mim. Ela era o tripé. Juntamente com todos que ela sempre mantinha perto de mim. E eu nunca me perdoaria se um dia eu soubesse que em troca da sua prova de amor eu a tivesse feito chorar de culpa pelas minhas acusações sem fundamento. Um conto de redenção.
Se algum dia, minha grande amiga ler este texto numa biografia desinteressante sobre uma ruiva pequena e comum, espero que possa entender. Queria que ela ouvisse tudo aquilo que eu devia ter dito e não disse por falta de um pedacinho da coragem dela. Queria que ela pudesse sentir o quanto foi importante pra que eu me tornasse o que sou hoje e tantos foram os momentos que me lembro dela com ternura e saudade. Como eu desejo agora estar em seu colo e dizer mil vezes que não há raiva, só amor. Como eu sinto saudade. E que ela acreditasse nisso e esquecesse minhas falsas acusações inconseqüentes. Como eu desejei e ainda espero sentir o amor dela sempre lutando por alguém que não se ama o suficiente pra isso. Um fraco que depende da fortaleza que são os olhos de um amigo. Meu desejo de que ela perceba que eu ainda a amo e que alguns dias devem ser mais do que fazemos dele. E que um domingo de outono perdido com choro de medo da segunda feira de sol é marca pra uma vida inteira.

Frida

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pesadelos de outono.



"...Eu queria ver no escuro do mundo
Onde está tudo que voce quer
Pra me transformar no que te agrada
Eu tive um sonho ruim e acordei chorando
Por isso eu te liguei
Será que você ainda pensa em mim
As vezes te odeio por quase um segundo
Depois te amo mais...'

Foi quando aconteceu. Pesadelo. O pior dos fantasmas, segurando-a numa mentira baseada em suas verdades destrutivas. Ela o vio. Frágil como ela sabia que ele era. Mas havia uma diferença na forma como as pessoas o viam agora. No sonho, ele não se fazia de forte. Numa cama branca de um lugar horrivelmente pálido. Branco como tudo num lugar em que se tenta preservar a vida. Desacordado se revelava do jeito que ela sempre o soube. E ela era necessária de alguma forma. Parecia que sua vida se resumia toda naquele momento, aquela necessidade. Sua vida se resumia no instante em que ela pudesse ser dele de algum jeito. Como ela sempre soube também. Aquela mulher que por muito tempo deixou de ter vida própria e por pouco tempo achou que tinha sua vida de volta. Mas seus dias nunca deixaram de ser dele. Este poder humilhante que ele não deixara de ter um só segundo. E na mente sonâmbula dela, isso se tornava devastadoramente claro. Ela que afastava essa verdade num desespero de encontrar um sentido novo pra viver. Frida não era suficientemente forte pra viver, errar e temer por ela mesma. A vida, o erro e o medo giravam em torno daquele ser displicente.
Ali, estática frente ao grosso vidro do hospital frio, ela sentia a ameaça de não o ver. Acostumava-se a não o sentir mais, a sua falta de sorrisos e palavras. Mas a cena que presenciava nesse escuro terrível da mente era demasiadamente dolorosa pra que ela suportasse pensar. Como podia ser a vida sem o ver? Por mais que ela não o tivesse junto a si, por mais que não se falassem e o certo fosse a indiferença. Nada mais importava agora que ela o via ali, tão fraco, tão presente de seus erros. Não importava que ele fosse a pessoa mais errada que ela conheceu, pessoa que ela devia claramente apagar de sua vida. Seu erro. Ela sabia que ele não merecia ser lembrado. E que estava sozinho, porque não era de ninguém de tão errado que costumava ser. E ele nem se sentia infeliz por isso, porque era insensível, realista, frio, fora feito pra destruir as ilusões daquela idiota que o olhava. Ela conhecia seus defeitos de cor, mas sempre esperava dele algo melhor do que ele conseguia ser.
Sentindo aquele vidro indiferente que os separava, nada disso era importante. Frida nem queria o melhorar como antes. Ela só o queria vivo pra ser seu motivo de levantar. Ela aceitava ser a imbecil de novo, mandava seu orgulho embora sem hesitação. Se este fosse o preço para mante-lo a salvo, ela faria. Não era importante que ele não a quisesse de novo, que não agradecesse que a odiasse mesmo assim. Nada era importante além de sentir sua respiração confusa. Sentir sua inconstância até em respirar. Mesmo que todos os seus amigos e amantes a mutilassem com perguntas depois. Ela sabia que o fariam, a inundariam em censuras, perguntas que ela não saberia responder. Como você é imbecil o bastante para amar tanto alguém tão torto? Porque amar alguém assim? Porque fazer dele algo tão essencial? Você acha mesmo que é saudável? Já pensou que talvez possa precisar de alguma ajuda? Quem sabe uma terapia? Não consegue ver que ele te destrói?
Ela via. Enxergava sua própria destruição, mas a aceitava se isto evitasse a destruição dele. Ela nunca fora importante. Sua vida nem era dela e nem conseguia ser. Não havia vida de um sem o outro. Ou melhor, não havia vida daquela viciada sem sua droga. Ele era seu remédio pra continuar mesmo que pra isso ela vivesse dopada. Mas vivia. Sem remédio, sem vida. Acidente atemporal que insinuava tirar dela a última gota de um vício sem cura. Acidente ridículo, rápido e preciso. A insinuação doía tanto que não era possível pensar. Insinuação de uma dor futura que já era presente atrás daquele vidro sem cor. Ele era forte. E ela cuidaria dele o tempo necessário. Estaria ali o tempo todo. Frida sorria. Acreditava na respiração complexa daquele peito convexo.
Então os olhos. Duas íris que se abrem em cor de um escuro normal. Eles que perguntavam muito e sempre diziam tanto aos dela. Olhos que revelavam o que ela nem quisera saber. Pupilas que se dilatavam nas inúmeras discussões, que se contradiziam com a doçura dos lábios dele. Olhos que nem pareciam frios ao acordar. Eram olhos quentes agora que podiam a ver ali se segurando no vidro espesso. Own... podiam vê-la. Num movimento brusco como aquele tremor novo que se apossava dela, Frida se abaixou. Abaixada como uma menina assustada, pega em flagrante por um vaso quebrado, em meios aos cacos da sala. Cacos seus espalhados com ela no chão do hospital. As borboletas agitadas em seu estomago oco. Olhos baixos como se envergonhasse da própria culpa. O orgulho retomado em fração de segundo. Com uma raiva infantil, ela se levanta longe do plano de visão daquele homem que ela odiava de tanto amar. A indignação lhe pesando nos ombros. Olhos baixos, ombros curvados de revolta interior. Altruísmo bobo. Ela nem o amava mais. Só um susto. Estava ali pra ter a certeza de que ele estava bem. Nem contaria a ninguém aquela visita infeliz. Dia inapropriado. Ele devia estar bem, pelo menos acordado. Consciente. Os dois. Ele da ultima inconseqüência que o colocara numa cama branca, e ela da sua preocupação sem propósito. Já tinha superado dores de cabeça. Podia embora agora. Nem entendia bem o porquê estava ali. Bobagens provenientes de sua impulsividade vermelha.
Do sonho, Frida nunca conseguia fugir. É quando sonhava que sua inconsciência doente esfregava-lhe suas deprimentes dificuldades. Tanto esforço do dia para ocultar medos. À noite eles vinham gritar com ela. Os fantasmas cruéis que não tinham pena. Era só isso que restava de si mesma. Não adiantava enganar o sono que os olhos sempre se fechavam no escuro. Não adiantava o próprio sono que não enganava seu cansaço ao acordar. Acordar era sempre um tormento e ter de dormir era um tormento maior.
Silencio negro. A cortina escondendo a noite. Quarto vazio. Suor e choro salgados. Tomada de consciência. Mais um pesadelo na noite de outono. Acordar é um alívio apesar da dor da verdade. Só mais um de tantos sonhos ruins. Pronto, passou.

Frida

( Sugestao da Jú )

sábado, 4 de abril de 2009

Nova trilha sonora


"...Mais uma dose é claro que eu to a fim
A noite nunca tem fim
Por que que a gente é assim?
Faço promessas malucas
Tão curtas quanto um sonho bom
Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou
Vivo num 'clip' sem nexo
Faz parte do meu show, meu amor...'

Ela preferia se perder. Acordar sem lembranças do que foi, de quem era. Se pudesse até falsificava documentos, mudava de nome, de país. Amava sentir-se assim logo pela manha. A inconseqüência sempre fora uma porta fascinante. Quando a indagavam sobre o porque dos seus atos, ela nunca soube responder. Nao era boa em explicar-se. Talvez porque não existisse explicação ou esta não faria sentido algum. Nem a ela. Ou talvez porque nem se lembrasse do que se tratava. Então fingia que não podia ouvir perguntas ou fazia escândalos, falava alto pra se salvar. Escândalos sempre é a melhor opção.
Interessante não fazer idéia do rumo que sua vida caminha. Não pensar. E pra quem pensa que mais tarde vinha a consciência assustá-la, não é verdade. Ela não se importava mesmo. Gostava de agir. Momentos que ela sentia-se melhor, que gostava de ser. Quando se esquecia do mundo, quando era egoísta, ela era feliz. Penso que porque esta era sua essência natural e o grande tempo que se esquecia dela, a fazia chorar. Estranho imaginá-la lutando pra fugir do que lhe era natural. Gritando pra si mesma que ela não era uma irresponsável. Sofrendo e idealizando a vida em vez de vivê-la.
O conflito girava em torno do seu controle. Porque às vezes a menina queria ser levada a sério, às vezes não. Isto a perturbava muito já que ninguém era capaz de entender o que ela desejava em cada assunto específico. Não eram capazes de ler esta mente desgastada. E ela não podia culpar as pessoas porque nem ela sabia o que querer. Enganava-se, mudava de planos. Tinha a péssima mania de teorizar tudo como simples demais. E depois via que nada é tão simples assim.
Então decidiu nunca mais pensar em nada. Decidiu que a vida seria divertida assim. Porque ela não queria mais correr o risco de se importar de novo. Não podia mais mentir o que era. Não tinha nascido pra ser heroína embora fizesse de um tudo pra ser. Não adianta lutar contra uma natureza. Ela toda era plebéia. E seu filme não era de mártires. Era um filme confuso de pensamentos conturbados, personalidades e opiniões variadas que se contradiziam. O filme que não fazia sentido e mudava constantemente conforme a trilha sonora que ela decidia gostar. Um filme que não possuía roteiro e ia se materializando de uma forma meio indefinida e subjetiva.
Mas pensar ela não ia mais. Quem sabe não refletindo demais, seus riscos acabariam se diminuindo com o tempo? Claro, o ser humano tem instintos. Ela se deixaria guiar pelos seus. Ela devia os ter também. E era mentira que ela era fraca, melancólica e sensível ao extremo. Podia até ser, mas agora não queria ser mais. Agora já não se sentia assim. Não seria racional, não seria a mocinha da sua curta metragem. Seria o personagem que ela quisesse ser na hora que bem desejasse. A direçao do seu filme era dela. E ainda estava no início da história.
Liberdade era a palavra. Agora era multidão, a música, a dança e algo ilegal pra desentoar de si mesma. Nessa nova fase do seu cinema o que importava era divertir-se, desbanalizar-se. É, ela não apreciava banalidades, mas possuía tempos que era bem banal. Agora não. Entao era o momento dela. Tudo era da menina. Ela mesma, o mundo, sua vida e futuro. E somente ela importava agora.

Frida

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Mimese


"...Penso, logo existo..."

É força do tempo
Nos moinhos de vento
Enaltece o firmamento
Dom Quixote sorri.

É à noite em meu quarto
Quando eu durmo de fato
Eu os vejo num lapso
Seres de neon.

É na mente que consiste
A razao é que insiste
Se pensar é o que existe
Eu existo entao?

É vida que trilha
Nenhum homem é uma ilha
Lobos em matilha
Passageiros em meu trem.

É a feroz natureza
Onde eu tenho a certeza
Leões é realeza
Nesse mundo-prisão

E um poeta distante
Num discurso brilhante
Diz que é ser ou não ser,
Eu prefiro o não!


Frida