Anoitece e Frida vem reclamar meu ser. Me invade sem respeito nem cuidado e me revira por dentro. São estes os dias que me empresto a ela.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Descoberta




"...Vai, começe a pisar
nas folhas caidas no chão
ouça o barulho que isso faz
e esqueça a idade em suas mãos
porque a música fica mais alta
se você quiser escutar.
Eu acho o diferente mais bonito
e todos dizem que é muito esquisito
eu gostar do que gosto..."
Felipe Godoy


Então suspirou bem fundo e sorriu. Pensou na resposta pra essa pergunta por tantas pessoas feita e que outrora a incomodava tanto.
Para a menina, a pior mediocridade do homem era se acomodar a falta de vida. E com pavor ela suportava o precipício do futuro esperando para desprovido de sequer uma gotinha de pena, transformá-la em comodidade. A mocinha já sentia seu mal cada vez mais próximo. Mal que se aproximava sem escrúpulo algum a tornando cada vez mais acostumada a ser nada e nada fazer quanto a sua infelicidade. Uma solidão sem remédio. Ela já conseguia ver bem ali em sua frente, uma pessoa tão mesquinhamente comum, sem vida, sobrevivente. Antes a morte que a sobrevivência.

Ao contrário do que esperavam dela, esta miserável forma de vida não significava não ter uma boa carreira, filhos ou um casamento bem comemorado. Ela renunciava a tudo isso com uma veemência que tinha mais cara de medo. Só que ainda não conseguira entender o que planejava seu íntimo sedento de felicidade. O que sabia era que necessitava intensamente de vida. Justo ela, que era pálida de tão apática. Uma palidez vazia, de quem pouco tempo tem para encontrar um sentido. Como se o fim a esperasse na esquina. Como se quando feliz ela conseguisse ser, a vida acabaria de tanto sentimento bom.

( Ô garotinha destrutiva essa! Confesso que ás vezes me sentia enfadada de repará-la. Um fardo pesado ter de acompanhar sua existência desinteressante.)

É cruel quando se passa a ter medo de você mesmo. Era ela quem a menininha temia. Medo da sua fraqueza demonstrada, da descrença, ilusão, uma fragilidade sem cor. Medo do que aquela mulher que se abriria num ovário preparado pudesse fazer de uma garota tão fracamente disposta. Toda ela era desmaiada.

( Acho que logo agora eu a julgo mal. Disposta ela era, faltava-lhe o caminho. )

E foi nesse tal dia, diante essa tal pergunta que se descobriu mudada. Não que a mudança fosse algo repentino. Ela mesma era a mais resistente a bruscas modificações. Guardava velharias com um complexo amor materno anterior aos filhos que nunca sairiam de dentro dela ( Novamente o tal receio do próprio ventre).

Mas enfim, vamos retornar ao tal dia frio, um tanto nublado até, dia feio como aquele em que nasceu essa estupidazinha. Foi numa manhã esdrúxula e tempestuosa, de aparência vazia que ela sorriu. Lábios até bem comedidos comparados ao alquimista que acaba de decifrar a fórmula filosofal. Procurou pelo medo. Inexistente. Então foi ter com a razão daquilo tudo, o motivo e o tempo duma metamorfose maluca. Sim, porque o propósito já lhe era conhecido. E estava ali, pulsando vermelha: a vida; toda dentro dela que era tão pequena. Sentiu-se borboleta. E toda uma existência de larva já parecia tão distante. Sem a costumeira nostalgia dos iniciantes insetos medrosos.

Revirou-se toda procurando pelo tempo de lagarta. O intermédio de uma transformação tão surpreendente para sua limitada compreensão juvenil. E a partir daí começou a perceber o que um ano e meio tinham feito dela. Aquele último ano conturbado e cheio de insatisfações.

Então se culpou por não ter percebido tão grande mutação que vinha acontecendo em si. E se julgou ainda mais severamente por não reconhecer a razão de toda uma pupa construída. Ou melhor, o que havia possibilitado sua construção. Uma tal folha verde que havia suprido a sua falta de disposição para alimentar-se. Sua verde reserva; sua verdade. “Malditos olhos de lagarta inúteis e cegos.”. Olhos novos: VIDA.

Percebeu nesse momento que era bom estar ali. E pela primeira vez sentiu que a vida era bem mais fácil do que ela pintava. Agora ela tinha muito o que fazer, andava muito ocupada. A insistência da folhinha companheira em recuperar aquela lagartinha incolor, fez com que ela aprendesse a voar. Era uma borboleta carmim. Vermelha de tanta cor.

“O que tem feito menina?”
“Tenho sido feliz.”

Uma nova resposta incomum para uma velha pergunta triste.

Frida