Anoitece e Frida vem reclamar meu ser. Me invade sem respeito nem cuidado e me revira por dentro. São estes os dias que me empresto a ela.

domingo, 4 de abril de 2010

Monólogo




'Você, precisa saber de mim.
Beby, eu sei que é assim.
Você precisa tomar um sorvete na lanchonete,
Andar com a gente, me ver de perto.
Ouvir aquela canção do Roberto.
Você, precisa aprender inglês,
Precisa aprender o que eu sei e o que eu não sei mais.
Baby, leia na minha camisa: I love you.'

Nós não combinamos com a dor, pensou. Andava cantarolando a música feita pra ela. Às vezes a dor era tão funda, em cada lembrança, em cada dia morto. Músicas mortas tocando na rádio. Sempre me pegam de surpresa, as músicas. Nossas. Não, músicas tuas, feitas por você que nem se lembra mais. Nunca mais se lembrou do porquê das suas próprias canções. Será que se lembra? A cada vez que canta, ensaia nos sábados de sol, será que se lembra? Acho que não. Era hora de viver outra vez, tentar ir lembrando aos pouquinhos, chorar dia sim, dia não. Tinha passado muito tempo sem sentir o gosto do mar. E não há cura sem mar.

'Já é semana que vem', disse alto e notou que olhavam pra ela no asfalto. Semana que vem a dor vem mais forte. Semana que vem já é tempo de enfrentar a dor. Perceber que nem tudo está morto. Ver a vida brilhando nos olhos dele. Ela vai chegar em casa e tentar se olhar no espelho. O olhar cheio de vida vai contrapor a morbidez do olhar dela. ‘Eu sei que é assim. Sempre foi’. Vai olhá-la e se sentir culpado. E novamente vai ter sua felicidade atrapalhada. Vai sentir pena, a mesma piedade que ela sente sobre si mesma. Ele vai tentar desesperadamente parecer normal, perguntar banalidades. Disfarçar, ressaltar que não existe estranheza sem sentido.

Ela ainda pensava no que responder. Tinha de decorar alguma coisa. Ele teria mil coisas pra contar, novidades surpreendentes, pessoas maravilhosas e interessantes. Mas não contaria, não era cruel. Também nem havia mais intimidade pra dizer a verdade. Ela ainda pensava no que responder. Diria: ‘Tenho tomado antidepressivos, ido à terapia, estudado bastante pra fingir que sou bem ocupada’. Ela não diria isso. Patético demais, dependente demais. Não havia mais intimidade para verdades. ‘Bom, às vezes eu vou ao cemitério, me sinto bem no meio de túmulos velhos. Tenho ido a velórios também. Sempre morre alguém, meio chato. Nunca mais falei de você pra ninguém. Pareço até feliz, olhe só, percebe? Só aquelas velhas crises mesmo. Eu ainda escrevo, muito. Vou à escola, as mesmas pessoas, a mesma rotina, mesma vida. Vida é assim mesmo não é? Minha terapeuta disse que não existe alguém que sorri o tempo todo. Ela não lhe conhece. Ainda canto, grito, durmo mal. Eu não mudei muito, mas mesmo que um dia eu mude, sempre pode aparecer de vez em quando. Meu remédios perderam o efeito, vou ter de trocar. Irônico. Parece que você adivinhou quando escreveu aquele verso, se lembra? Parece que adivinha tudo. Nossa como eu sou irritante, desagradável. Desculpe.’ Olhos baixos. Pena, culpa e dor. ‘Bem, sempre torço muito por você, sabe disso. Até mais então. Parabéns, de verdade. Um dia liga pra gente soltar pipa. Ah, feliz páscoa atrasada’... Meu bem.