Anoitece e Frida vem reclamar meu ser. Me invade sem respeito nem cuidado e me revira por dentro. São estes os dias que me empresto a ela.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pesadelos de outono.



"...Eu queria ver no escuro do mundo
Onde está tudo que voce quer
Pra me transformar no que te agrada
Eu tive um sonho ruim e acordei chorando
Por isso eu te liguei
Será que você ainda pensa em mim
As vezes te odeio por quase um segundo
Depois te amo mais...'

Foi quando aconteceu. Pesadelo. O pior dos fantasmas, segurando-a numa mentira baseada em suas verdades destrutivas. Ela o vio. Frágil como ela sabia que ele era. Mas havia uma diferença na forma como as pessoas o viam agora. No sonho, ele não se fazia de forte. Numa cama branca de um lugar horrivelmente pálido. Branco como tudo num lugar em que se tenta preservar a vida. Desacordado se revelava do jeito que ela sempre o soube. E ela era necessária de alguma forma. Parecia que sua vida se resumia toda naquele momento, aquela necessidade. Sua vida se resumia no instante em que ela pudesse ser dele de algum jeito. Como ela sempre soube também. Aquela mulher que por muito tempo deixou de ter vida própria e por pouco tempo achou que tinha sua vida de volta. Mas seus dias nunca deixaram de ser dele. Este poder humilhante que ele não deixara de ter um só segundo. E na mente sonâmbula dela, isso se tornava devastadoramente claro. Ela que afastava essa verdade num desespero de encontrar um sentido novo pra viver. Frida não era suficientemente forte pra viver, errar e temer por ela mesma. A vida, o erro e o medo giravam em torno daquele ser displicente.
Ali, estática frente ao grosso vidro do hospital frio, ela sentia a ameaça de não o ver. Acostumava-se a não o sentir mais, a sua falta de sorrisos e palavras. Mas a cena que presenciava nesse escuro terrível da mente era demasiadamente dolorosa pra que ela suportasse pensar. Como podia ser a vida sem o ver? Por mais que ela não o tivesse junto a si, por mais que não se falassem e o certo fosse a indiferença. Nada mais importava agora que ela o via ali, tão fraco, tão presente de seus erros. Não importava que ele fosse a pessoa mais errada que ela conheceu, pessoa que ela devia claramente apagar de sua vida. Seu erro. Ela sabia que ele não merecia ser lembrado. E que estava sozinho, porque não era de ninguém de tão errado que costumava ser. E ele nem se sentia infeliz por isso, porque era insensível, realista, frio, fora feito pra destruir as ilusões daquela idiota que o olhava. Ela conhecia seus defeitos de cor, mas sempre esperava dele algo melhor do que ele conseguia ser.
Sentindo aquele vidro indiferente que os separava, nada disso era importante. Frida nem queria o melhorar como antes. Ela só o queria vivo pra ser seu motivo de levantar. Ela aceitava ser a imbecil de novo, mandava seu orgulho embora sem hesitação. Se este fosse o preço para mante-lo a salvo, ela faria. Não era importante que ele não a quisesse de novo, que não agradecesse que a odiasse mesmo assim. Nada era importante além de sentir sua respiração confusa. Sentir sua inconstância até em respirar. Mesmo que todos os seus amigos e amantes a mutilassem com perguntas depois. Ela sabia que o fariam, a inundariam em censuras, perguntas que ela não saberia responder. Como você é imbecil o bastante para amar tanto alguém tão torto? Porque amar alguém assim? Porque fazer dele algo tão essencial? Você acha mesmo que é saudável? Já pensou que talvez possa precisar de alguma ajuda? Quem sabe uma terapia? Não consegue ver que ele te destrói?
Ela via. Enxergava sua própria destruição, mas a aceitava se isto evitasse a destruição dele. Ela nunca fora importante. Sua vida nem era dela e nem conseguia ser. Não havia vida de um sem o outro. Ou melhor, não havia vida daquela viciada sem sua droga. Ele era seu remédio pra continuar mesmo que pra isso ela vivesse dopada. Mas vivia. Sem remédio, sem vida. Acidente atemporal que insinuava tirar dela a última gota de um vício sem cura. Acidente ridículo, rápido e preciso. A insinuação doía tanto que não era possível pensar. Insinuação de uma dor futura que já era presente atrás daquele vidro sem cor. Ele era forte. E ela cuidaria dele o tempo necessário. Estaria ali o tempo todo. Frida sorria. Acreditava na respiração complexa daquele peito convexo.
Então os olhos. Duas íris que se abrem em cor de um escuro normal. Eles que perguntavam muito e sempre diziam tanto aos dela. Olhos que revelavam o que ela nem quisera saber. Pupilas que se dilatavam nas inúmeras discussões, que se contradiziam com a doçura dos lábios dele. Olhos que nem pareciam frios ao acordar. Eram olhos quentes agora que podiam a ver ali se segurando no vidro espesso. Own... podiam vê-la. Num movimento brusco como aquele tremor novo que se apossava dela, Frida se abaixou. Abaixada como uma menina assustada, pega em flagrante por um vaso quebrado, em meios aos cacos da sala. Cacos seus espalhados com ela no chão do hospital. As borboletas agitadas em seu estomago oco. Olhos baixos como se envergonhasse da própria culpa. O orgulho retomado em fração de segundo. Com uma raiva infantil, ela se levanta longe do plano de visão daquele homem que ela odiava de tanto amar. A indignação lhe pesando nos ombros. Olhos baixos, ombros curvados de revolta interior. Altruísmo bobo. Ela nem o amava mais. Só um susto. Estava ali pra ter a certeza de que ele estava bem. Nem contaria a ninguém aquela visita infeliz. Dia inapropriado. Ele devia estar bem, pelo menos acordado. Consciente. Os dois. Ele da ultima inconseqüência que o colocara numa cama branca, e ela da sua preocupação sem propósito. Já tinha superado dores de cabeça. Podia embora agora. Nem entendia bem o porquê estava ali. Bobagens provenientes de sua impulsividade vermelha.
Do sonho, Frida nunca conseguia fugir. É quando sonhava que sua inconsciência doente esfregava-lhe suas deprimentes dificuldades. Tanto esforço do dia para ocultar medos. À noite eles vinham gritar com ela. Os fantasmas cruéis que não tinham pena. Era só isso que restava de si mesma. Não adiantava enganar o sono que os olhos sempre se fechavam no escuro. Não adiantava o próprio sono que não enganava seu cansaço ao acordar. Acordar era sempre um tormento e ter de dormir era um tormento maior.
Silencio negro. A cortina escondendo a noite. Quarto vazio. Suor e choro salgados. Tomada de consciência. Mais um pesadelo na noite de outono. Acordar é um alívio apesar da dor da verdade. Só mais um de tantos sonhos ruins. Pronto, passou.

Frida

( Sugestao da Jú )

3 comentários:

  1. Abalou as minhas estruturas, em palavras simples, sintéticas e limpas vi toda uma história (minha) passar pela minha cabeça, minha imaginação.

    "daquele homem que ela odiava de tanto amar"
    e tem melhor jeito para definir aquele? Aquele que assombra mesmo quando não aparece, aquele que sentimos em meio aos nossos sonhos.
    Essa tal coisa que chamam de amor, é amor mesmo?




    ps.:adorei -particulamente, especialmente- esse post. tá demais!

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  2. Minha querida Tainá...
    Estou tentando varias maneira de te pedir desculpas...
    Acredite o seu pedido de amigo do orkut não chegou até mim...Eu já tentei e ainda estou tentando te adicionar mais ainda não consegui a sua página não aceita pedido de mais amigo.
    Mandei uma mensagem para vc com meu msn se possivel, me adiciona para que eu me desculpe diretamente a vc.
    Beijos
    Wanderlei

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