Anoitece e Frida vem reclamar meu ser. Me invade sem respeito nem cuidado e me revira por dentro. São estes os dias que me empresto a ela.

domingo, 12 de abril de 2009

Conto de redençao


"...I'm wandering round and round, nowhere to go
While my eyes, go looking for flying saucers in the sky
But my eyes, go looking for flying saucers in the sky
Oh, Sunday, Monday, Autumn pass by me
I just happen to be here and it's ok
Green grass, blue eyes, gray sky,
God bless, silent, pain and happiness..."

Há algum tempo eu conheci um par de olhos azuis que insistiam em fixar o chão de tão tímidos que eram. Conheci-os meio que ao acaso, num lugar que eu não iria, uma ocasião não planejada, uma época que andava perdida de mim. Eram olhos celestes e amigos. Demorei certo tempo pra me aproximar deles, pois eram demasiadamente desconfiados. Realmente era difícil pra eu entender a distancia que eles se esforçavam em manter, eu que era tão dada a confianças repentinas. Mais tarde eles me ensinariam que a desconfiança imediata é necessária. Eu os encontrei pra ajudar a me encontrar. Isso eu percebi bem depois também. Depois que estas duas pedrinhas de anil se fizeram essenciais ao meu modo antigo de viver a solidão.
A dona destes olhos fez de um ano da minha pouca experiência, uma vida toda de sorrisos. Era pra casa dela que eu fugia toda vez que eu sentia uma ameaça de peso em minhas costas. Sempre fui meio ruim em carregar pesadas cargas. Ela ajudava a carregar. E tudo acontecia naquele lugar intenso pra mim. Melhores e piores foram os momentos que lá eu passei. Mas os piores momentos só por acontecerem lá, eu os sentia menos dolorosos do que meu normal de dualismo adolescente. Boas lembranças esta casa me traz. Festas amigas, risadas, madrugadas em claro e abraços em meus dias de choro. Lembro-me ate de me dar ao luxo de olhar as estrelas deitada na grama fofa, nadar e dançar sorrindo as músicas que não gostava. Eu podia chorar deitada no chão do quarto sem precisar me explicar, podia fingir que estava dormindo, sentir sono e gritar se me desse vontade. Pretendia até brincar de casamento na casa dela, inventar personagens, tirar fotos e rodar ate cair. Estar ao lado dela naquele lugar azul era assim.
A grama do quintal parecia fazer da vida mais leve, um lugar apropriado pra sorrir. Engraçado que não que eu esquecesse os problemas quando lá eu estava, mas tudo parecia menor quando eu olhava pra piscina cor da íris dela. Também não era porque eu ouvia que meus conflitos eram insignificantes. Isso nunca funcionou muito bem comigo e eu não ouvia frases assim desta menina. E ela também não entendia minhas dores com facilidade, mas elas importavam a ela como a mim própria. O motivo de tanta alegria eu não entendia bem. Como se a obrigação por estar ali, era simplesmente ser feliz. E mesmo que tudo parecesse um caos sem remédio, naquela casa eu não tinha vergonha de me divertir. Bem mágico para uma menina ruiva e reticente como eu. Uma casa que dizia não a minha solidão acostumada e zombava das minhas tristezas de jovem comum. Não havia como ficar sozinha, nem ser hipocritamente silenciosa ou alimentar melancolias como era do meu gênio fazer. Uma liberdade interessante em se permitir. Uma liberdade que me aprisionava todos os dias de folga em que eu me nutria bem de bacalhoada e felicidade.
Esta minha grande menina que corava as bochechas de tons de rosa facilmente, me deu milhões de provas de amor em troca de milhões dos meus abraços espontâneos. Era minha moeda de troca pra tudo que ela insistia em me fazer aceitar. Ela me dizia que não era boa em palavras e chorava quando lia as minhas histórias inacabadas. Boba. As palavras dela que me fazem escrever este conto agora. Ela que parecia tão simples, mas tinha uma imensidão de mar azul nos olhos expressivos que me inundavam em profundidade. Azul que contrastava com o sol dos seus cabelos assim como seu tamanho contrastava com sua pouca idade. Ela nunca entendeu o poder que tinha seus olhos. Era ela assim. Imensa no que se dizia comum. Acho que nem percebia isso. Talvez este seja o motivo pra este texto, que depois de tanto tempo eu possa fazê-la ver. Minha amiga que se achava covarde, mas não percebia o quanto de coragem ainda sobra nos seus gestos comedidos de timidez. Ela que desde sempre aprendera que canalizar decepção em raiva é uma boa forma de se proteger de tudo e possuía coragem suficiente para exteriorizar suas emoções. E me exigia reações. Eu devia ter dito a ela que eu não era tão corajosa assim. Devia ter dito neste dia que eu faltei a aula de alto defesa. Como se ela já não soubesse de tanto que me defendia. Agora eu até entendo a indignação dessa menina que lutava por mim, com a garra e a raiva que coexistiam nela, enquanto via alguém tão próximo aceitar a tristeza como algo natural. Batalhando pra me ver sorrir, pra provocar reações, eu bem sei que ela sofria também.
Certa vez, num dia que eu devia ter dito tanto e me calei, a menina me deu uma prova de amor que eu nunca esqueci. E eu a agradeci dizendo que ela havia apagado um ano da minha vida. Eu devo ter dito isso com muita força porque ela acreditou. Não sei como fiz isso. Bom, na hora sempre é difícil pra alguém como eu, perceber o que é bom pra mim mesmo. Eu sempre fui assim. E eu devia ter entendido a minha relutância em viver bem como o pior destino que um amigo queria pra o outro. Um verdadeiro amigo pelo menos. Um par de olhos azuis brilhantes. E foi este par que depois de me dar um ano de sorrisos e ser acusado de roubar um ano meu, que me olhou bem fundo pra procurar pela raiva que eu devo ter demonstrado. Naquela hora eu pensei que fosse bem claro pra ela que não havia raiva nenhuma, só dor. Medo de não conseguir. Como se em vez do bem que ela me fazia, só tivesse tirado o ultimo tripé em que eu me segurava. Minhas lembranças que nunca foram saudáveis. Meu jeito insano e doente de me comportar. Eu que nunca soube o que era melhor pra mim. E que ela sabia. Foi me olhando nos olhos que minha amiga me pediu desculpa. Pediu desculpa como se fosse ela que me fizesse mal e não a menina ruiva pra quem ela olhava fundo. Foi quando eu entendi que ela ainda esperava minha reação em fúria, eu que pensava que tivesse sido bem clara com relação a minha covardia em sentir. Porque não havia raiva e erroneamente ela imaginara que eu apenas a escondi. Acho que ela devia me pintar da coragem dela, não aceitava que eu não fosse corajosa o suficiente pra ter raiva. Ela me pedindo desculpa por invadir uma privacidade que não existia pra ela. Como exigir privacidade se você é fraco o suficiente pra se esconder sempre atrás da luta de alguém que te ama? Eu sempre a amei também. Desde quando a possuí em amizade. Eram palavras assim que eu devia ter dito a ela naquele dia. Pra que ela pudesse entender o quão bem ela me fazia e a quão necessária era ela. Entender que meu tripé não eram algumas frases ridículas que transbordavam um veneno letal pra minha felicidade constantemente ameaçada por mim. Ela era o tripé. Juntamente com todos que ela sempre mantinha perto de mim. E eu nunca me perdoaria se um dia eu soubesse que em troca da sua prova de amor eu a tivesse feito chorar de culpa pelas minhas acusações sem fundamento. Um conto de redenção.
Se algum dia, minha grande amiga ler este texto numa biografia desinteressante sobre uma ruiva pequena e comum, espero que possa entender. Queria que ela ouvisse tudo aquilo que eu devia ter dito e não disse por falta de um pedacinho da coragem dela. Queria que ela pudesse sentir o quanto foi importante pra que eu me tornasse o que sou hoje e tantos foram os momentos que me lembro dela com ternura e saudade. Como eu desejo agora estar em seu colo e dizer mil vezes que não há raiva, só amor. Como eu sinto saudade. E que ela acreditasse nisso e esquecesse minhas falsas acusações inconseqüentes. Como eu desejei e ainda espero sentir o amor dela sempre lutando por alguém que não se ama o suficiente pra isso. Um fraco que depende da fortaleza que são os olhos de um amigo. Meu desejo de que ela perceba que eu ainda a amo e que alguns dias devem ser mais do que fazemos dele. E que um domingo de outono perdido com choro de medo da segunda feira de sol é marca pra uma vida inteira.

Frida

Um comentário:

  1. Pra variar, chorei ne!
    Mais do que nunca, seus contos me emocionam e eu leio cada uma das entre-linhas !
    Vc é muito especial pequena ruiva, tem uma magia contagiente, mesmo estando triste, e claro, escreve muito bem ! obrigada pelo melhor feriado da minha vida e desculpe por qualquer coisa , te amo :) 'um' beijo

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