
"...Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
No dia em que fui mais feliz
Eu vi um aviao...'
Vício.
Hábito.
Doença.
Compulsao.
Devolvendo a minha insônia, minha apatia acomodada.
Dissolvendo o doce dos meus olhos em mar.
Gotinhas de mar sem som.
Sabor amargo do mar.
Sentimento de perda de um mar interior.
Solidão no meio do tudo.
Sensação incoerente de nada.
Saudade insuportável do que não foi.
Lembranças do que eu não vivi.
Como se fosse possível escolher um caminho.
Como se eu tivesse um caminho pra escolher.
E o imaginário me faz sorrir.
Tudo o que não existe me faz bem.
Talvez porque acreditando cegamente no que inexiste não há o risco ao erro.
Não há o risco de desabamento de convicções.
Simplesmente porque não é. Não existe.
Não me envolver com o que é real, apaga minhas possibilidades de sofrer com ele.
Minha imaginação não me abandona.
Não me faz sofrer.
Protege-me de duras verdades.
Oferece-me o direito a idealização.
Imaginar meus sonhos.
E materializar estes em meus delírios solitários.
Eu desejo a solidão.
Para poder delirar sem medo.
Não medo do ridículo, mas medo de que me convençam da ausência da minha sanidade.
Horrível pensar que vão me tirar isso também.
Arrancar-me o prazer dos meus devaneios.
Não confunda isto com demência.
É minha fuga pra o que não passa.
Minha forma de não ver.
É simples até. O plano. Só me envolver neles.
Meus protetores. Livros.
Manter a realidade sem me tocar.
Vou sorrir agora.
Meu mundo me chama.
Meu mundo que não existe nem é real.
Por isso fecho-me.
Gosto de mundos inventados.
Estou levantando de novo as paredes do mundo que foi soprado. Caiu.
Tentando descobrir como construir paredes mais fortes.
Muralhas quem sabe. Estou sendo pretensiosa novamente.
Como se eu já não soubesse que sou eu quem abre as portas do meu castelo seguro.
Quando consigo manter meu castelo rígido, eu me deixo enganar.
Ouço a voz de quem bate na minha porta. E abro com uma inocência infantil.
Cavalo de tróia.
É a realidade vindo me buscar.
Vindo derrubar toda a estrutura de pedra fria.
Vindo iluminar meu lar escuro, frio e seguro.
O sol forte e perigoso me cegando de dor.
Sempre amei a noite. De dia eu fecho as cortinas.
Talvez o mais seguro seja levantar um castelo sem portas.
Ou trancá-las. Uma a uma.
Não importa-me a grama verde lá fora.
Não quaro saber da vida, a natureza que seduz sem piedade alguma.
Estou trancada agora.
Eu, comigo.
Sozinha.
Não tentem abrir.
As chaves já não estão comigo.
Não me lembro onde eu as escondi.
Nem me esforço pra lembrar.
Estou segura em mim mesma.
Com meu imaginário, meu delírio.
Só o inventado distrai-me e só ele eu deixo estar comigo aqui dentro.
Não se preocupem, pois dele não provem o perigo.
A insanidade combina com meu castelo construído.
Decora minhas paredes vazias. Meus passivos personagens preenchem os aposentos vazios.
Deixem-me aqui dentro.
Ajudem-me a afastar a realidade de mim.
Não quero ver o sol. Tremo só de pensar em tudo que é exterior.
A dor me ameaçando. Colada na porta.
Aguardando-me. Fria, objetiva, real.
Espasmos de desespero me invadem só de lembrar dela.
Vai embora. Eu não vou abrir.
Estou escondida. Nada vai me encontrar em lugar nenhum.
Sou invisível. Deixe-me dormir de novo.
Sem a maldição de acordar me lembrando. Sem a maldição da lembrança que me tira o ar.
Traga-me a tranqüilidade da fantasia. Minha paz.
Já chega. Não consigo suportar sozinha.
Nao me tomem meus livros. Onde estao minhas histórias?
Eu posso sentir voces. Quero sua presença.
Que cabeça a minha. Ninguém os escondeu.
Estao no baú.
Paz.
Minha ameaça nao compete com eles. Foi embora.
Toda hora. Hora de ler.
Frida